A importância e a determinação das enzimas para o diagnóstico clínico

Por: Dr. Wagner Maricondi

Enzimas são catalisadores proteicos responsáveis pela maioria das reações químicas do organismo, sendo encontradas em todos os tecidos. De uma maneira geral, a concentração de enzimas no soro é baixa, podendo aumentar significativamente após uma lesão orgânica. Na maioria dos estados patológicos em que ocorre elevação da concentração enzimática, a causa é o aumento da permeabilidade da membrana celular por uma lesão ou necrose da célula com as enzimas difundindo-se para os capilares e atingindo a corrente circulatória. Ocasionalmente, os níveis aumentados da enzima no soro são provocados por aumento da síntese enzimática intracelular com consequente difusão dessa enzima para a corrente sanguínea.

A determinação de enzimas no laboratório clínico tem uma grande aplicação para o diagnóstico, prognóstico e acompanhamento da terapia de diversas patologias, especialmente o caso das doenças hepáticas, cardíacas, ósseas, musculares e pancreáticas. Em alguns processos patológicos, as determinações enzimáticas contribuem significativamente para estabelecer a causa, localização e grau de extensão da lesão, para fazer o controle do tratamento e ainda para determinar a cura. Assim sendo, as dosagens enzimáticas são extremamente importantes para a compreensão e controle de inúmeras doenças.

As enzimas plasmáticas são de dois tipos: as de maior concentração circulante, específicas do plasma e com um papel funcional neste, e as enzimas plasmáticas inespecíficas, presentes normalmente em níveis muito baixos, sem função conhecida no sangue. No primeiro grupo se incluem as enzimas associadas com a coagulação do sangue (por exemplo, trombina), associada à dissolução do coágulo de fibrina (plasmina) e associada a modificações dos quilomicrons (lipoproteína lipase). Geralmente são sintetizadas no fígado, porém se encontram no sangue em concentrações equivalentes ou maiores que nos tecidos.

As enzimas não específicas do plasma são mais importantes nas enfermidades de tecidos e órgãos. Normalmente, os níveis plasmáticos são muito baixos ou nulos. Uma agressão por um processo patológico pode provocar mudança na permeabilidade da membrana celular ou levar a morte celular, dando lugar à liberação de enzimas intracelulares no plasma. No caso de mudança na permeabilidade, as primeiras enzimas a aparecerem no plasma serão as de menor peso molecular, e quanto maior for o gradiente de concentração entre os níveis intra e extracelulares, mais rapidamente a enzima se difundirá. As enzimas citoplasmáticas aparecerão no plasma antes das enzimas mitocondriais, e quanto maior seja a quantidade de tecido lesado, maior será o aumento a nível plasmático. Outra característica importante das enzimas não específicas do plasma é que elas desaparecem neste a diferentes velocidades, ou seja, de acordo com sua meia-vida, a qual é relacionada à sua estabilidade e a sua suscetibilidade ao sistema reticuloendotelial, o qual remove a enzima da circulação.

 Em condições normais as atividades enzimáticas permanecem constantes, refletindo o equilíbrio entre estes processos. Modificações nos níveis da atividade enzimática ocorrem em situações onde este balanço é alterado.

No diagnóstico da implicação de um órgão específico em um processo patológico, o ideal seria poder identificar enzimas específicas para cada órgão. Isso é improvável, já que o metabolismo de muitos órgãos é muito parecido. A álcool desidrogenase (ADH) do fígado e a fosfatase ácida da próstata são úteis para a identificação específica de enfermidades desses órgãos. Entretanto, há muito poucas enzimas que são específicas de órgãos. Sem dúvida, a proporção de diferentes enzimas varia de tecido a tecido. Este fato, combinado com o estudo da cinética de aparição e desaparecimento de determinadas enzimas no plasma, permite o diagnóstico de qual órgão específico está implicado em um determinado processo patológico.

As elevações na atividade enzimática com aumento na liberação de enzimas para o plasma são devidas a:

  • Lesão celular extensa: as lesões celulares são geralmente causadas por isquemia ou toxinas celulares, por exemplo, na elevação da atividade da isoenzima CK-MB após infarto do miocárdio.
  • Proliferação celular e aumento na renovação celular: por exemplo, aumentos na fosfatase alcalina pela elevação da atividade osteoblástica durante o crescimento ou restauração óssea após fraturas.
  • Aumento na síntese enzimática: por exemplo, marcada elevação na atividade da gama-glutamil transferase (gama-GT) após a ingestão de álcool.
  • Obstrução de ductos: afeta as enzimas normalmente encontradas nas secreções exócrinas, por exemplo, a amilase e a lipase no suco pancreático. Estas enzimas podem regurgitar para a corrente circulatória se o ducto pancreático-biliar estiver bloqueado.

Embora não seja o objetivo deste artigo, mas somente a título de informação, vale ressaltar que as enzimas são medidas através de suas atividades catalíticas, ou seja, a velocidade com que a enzima em análise catalisa a reação com o substrato, sendo esta velocidade proporcional a concentração da enzima. Os resultados de tais determinações são expressos em termos da quantidade de atividade presente em um determinado volume da amostra, sendo essa atividade catalítica referidas para 1 mL ou 1 litro da amostra. Por essa razão, as determinações enzimáticas são expressas em mU/mL ou U/L, que numericamente são iguais (mU/mL = U/L).

Há vários métodos utilizados para a determinação das diferentes enzimas de uso na prática clínica, mas os métodos otimizados, propostos pela Associação Alemã de Química Clínica, apresentam elevada sensibilidade e excelente reprodutibilidade, onde todas as condições da reação são padronizadas.